sábado, 26 de dezembro de 2015

Conselhos para uma cultura permanentemente democrática

Roraima vive um momento único de mobilização do segmento artístico e de organização da sociedade civil em torno da cultura. No começo de novembro, pela primeira vez, a população do Estado pôde escolher pelo voto direto seus representantes no Conselho Estadual de Cultura (CEC), para o quadriênio 2016-2019.
Também neste mês, uma grande mobilização culminou com a eleição de pelo menos cinco produtores culturais de Roraima como titulares dos colegiados setoriais de Literatura, Música, Dança, Teatro e Artes Visuais do Conselho Nacional de Política Cultural (CNPC) 2016-2017. No biênio anterior, foram apenas dois representantes do Estado.
Este número pode aumentar, considerando que ainda estão previstos fóruns dos setoriais das áreas técnicas (Arquitetura e Urbanismo, Arquivos, Design, Moda, Patrimônio Material e Museus), além de Cultura Popular, Afro-brasileira, Patrimônio Imaterial, Artesanato e Indígena.
Diante desse cenário, ainda que se mudem os gestores, os representantes da sociedade civil, articulados com suas bases, estarão preparados e dispostos para pautar as políticas públicas que queremos e desejamos para a cultura. Não há mais espaço para política sem povo. Qualquer forma de governar que desconsidere a vontade e a participação da sociedade civil organizada estará fadada ao fracasso.
Caberá agora ao Governo do Estado definir seus representantes no Conselho, a partir de critérios que privilegiem a política de governança. Os representantes governamentais no Conselho devem ter perfil de gestão no âmbito da cultura, com experiência em política participativa.
Não cabem mais conselhos de cultura compostos por notáveis, personalidades individuais de destaque na vida intelectual e artística, formação comum entre as décadas de 60 e 80 do século passado, que, segundo Lia Calabre, “provoca um significativo distanciamento entre as reais necessidades e demandas do conjunto da comunidade e os projetos de cultura submetidos à apreciação”.
Os novos conselheiros estaduais terão, entre outras, a missão de propor a reformulação do próprio Conselho. Os setoriais representados no CEC devem ser criados e regulamentados. O Conselho de Cultura precisa ser urgentemente elevado ao patamar de instância deliberativa. Além disso, sua composição deve ser revista, criando-se vagas específicas para dança, teatro, culturas populares e indígenas, por exemplo. É necessário ainda criar mecanismos que garantam a participação de representantes de outros municípios, além da capital.
Tais mudanças, necessárias e possíveis, podem ser facilmente implantadas pelo Poder Público, desde que os novos conselheiros deem continuidade ao trabalho da composição atual, fortalecendo e ampliando cada vez mais a atuação do CEC de forma autônoma, aberta e de diálogo com a sociedade civil.

* artigo publicado no jornal Folha de Boa Vista, em 26 de novembro de 2015.

quinta-feira, 22 de outubro de 2015

Por uma TV cada vez mais pública

Com o processo em curso na Universidade Federal de Roraima para a escolha dos novos reitor e vice-reitor da instituição, vislumbra-se uma excelente oportunidade de discussão de um tema que esperamos não ficar em segundo plano neste pleito: o papel e os rumos da TV Universitária nos próximos quatro anos. Tudo o que aqui for dito pode ser estendido à Rádio Universitária, também administrada pelo NRTU/UFRR (Núcleo de Rádio e TV Universitário).
Ainda que sejam demandas urgentes, este texto não se deterá sobre questões tais como: a) a realização de concurso público para os cargos técnicos atualmente ocupados por terceirizados ou alunos bolsistas, como operador de áudio, jornalista, repórter cinematográfico e operador de controle-mestre; b) a transformação do NRTU em entidade com autonomia financeiro-administrativa, a exemplo do que se vê em outras IFES, como a Fundação Rádio e Televisão Educativa e Cultural (RTVE) da Universidade Federal de Goiás (UFG); c) a indicação do diretor pelos funcionários do NRTU, mediante processo eleitoral, semelhante ao que ocorre em outras instituições, como a Defensoria Pública Estadual; d) a estruturação para que a emissora funcione, por escalas, além do horário de expediente do serviço público, a exemplo do que já é feito na TV Brasil, entre outras.
O que os servidores da TV Universitária esperam é que a nova gestão da UFRR ofereça condições para que a emissora seja efetivamente uma TV pública. Para que não reste dúvida, explica-se que, para ser considerada pública, não basta à TV pertencer a um órgão governamental. TV pública não é sinônimo de TV estatal. É pública a televisão feita com foco no cidadão. Qualquer outro uso que não seja guiado por esse princípio configura desvio da verdadeira missão de uma emissora pública.
Da mesma forma como não é função da TV Brasil divulgar o trabalho ou prestar contas das ações do Governo Federal, não é missão da TV Universitária fazer o mesmo em relação à UFRR. Um projeto de extensão, o resultado de uma pesquisa ou qualquer outra iniciativa acadêmica merece divulgação em uma TV pública pelo seu interesse público, e não em razão da entidade que promove a ação.
Cabe a essas emissoras atender ao direito constitucional do cidadão de ter acesso à informação e fornecer a ele conteúdo para que possa exercer sua cidadania. Não compete a uma TV pública trabalhar positiva ou negativamente junto ao telespectador a imagem de quaisquer personalidades ou instituições públicas ou privadas, nem mesmo o Governo Federal ou a UFRR.
Com uma TV que cumpra seu papel de emissora pública ganham todos: o público, que tem seus direitos atendidos; a televisão, que ganha credibilidade e audiência; e os gestores, que ganham o respeito da comunidade e o reconhecimento pelo bom trabalho, pela visão democrática e pelo investimento em uma ferramenta permanente de educação não formal que contribui no processo de emancipação do sujeito.
* Artigo publicado no jornal Folha de Boa Vista, em 17 de outubro de 2015.

segunda-feira, 21 de setembro de 2015

O que será desse governo da cultura?

A propaganda do Governo do Povo ignora a cultura. Será um sinal da importância que o Governo de Roraima atribui a ela?
Este vídeo da campanha de arrecadação do ICMS é de abril de 2015. Há outro que ainda está passando na TV para que os empresários renegociem suas dívidas com o Governo do Estado.
Ambos apresentam o mesmo problema. A garota propaganda diz: “o ICMS é muito importante para o Governo investir mais em Educação, na Saúde e na Segurança.” E onde está o problema? Ora, o ICMS é a única fonte de recursos da principal (para não dizer única) Política Pública Estadual de Cultura. Ainda assim, a cultura é ignorada na propaganda do Governo. Por que será?
Hipótese 1: Quem fez a propaganda desconhece tal informação.
Se for verdade, isso é preocupante!

Hipótese 2: Quem fez a propaganda conhece tal informação, mas acredita que os empresários não se motivarão a pagar impostos para que a cultura receba mais investimentos.
Se for verdade, isso é superpreocupante porque o Governo se omite no seu dever de educar a classe empresarial sobre a finalidade dos tributos e de mudar posturas que prejudiquem o desenvolvimento de políticas públicas!

Hipótese 3: O diálogo entre a Secult e a Secom é deficiente, já que a falha de um vídeo de abril de 2015 não foi sanada até agora (setembro), cinco meses depois.
Se for verdade (o que não invalida as hipóteses anteriores), isso é péssimo! Mostra que faltam articulação e eficiência nas ações das Secretarias de Estado.

Esperamos que as próximas campanhas do Governo relativas ao ICMS divulguem o quanto tal imposto é importante para o investimento em cultura.
(Aliás, campanhas da área da cultura poderiam ser frequentes. Por exemplo, o prazo de inscrições de projetos culturais para o edital da Lei Estadual de Incentivo à Cultura não mereceu do Governo uma campanha com veiculação de propaganda em TV, como essa de arrecadação do ICMS. Uma pena!)

Esperamos ainda que uma cultura de mudanças não tarde a se instalar entre nós.

domingo, 26 de julho de 2015

Lei de Incentivo à Cultura de Roraima: onde avançamos

O mais recente edital da Lei Estadual de Incentivo à Cultura teve avanços em relação às edições passadas, que, ainda que tímidos, não teriam sido possíveis não fosse a organização e a mobilização dos artistas e produtores culturais de Roraima. Em alguns casos, o aparente progresso foi, na verdade, o desfazimento de mudanças de um edital para outro anterior que foram equivocadas naquele momento e significaram retrocesso na ação do Estado para o incentivo à cultura.
Neste ano, por exemplo, foi dado espaço de tempo para a divulgação do edital, entre o seu lançamento e o início das inscrições, o que não acontecia desde 2012. É difícil entender por que em 2013 e 2014 isso não foi feito. Nesses dois anos, as inscrições começavam no dia do lançamento do edital, o que claramente prejudica a divulgação e limita as inscrições.
Além disso, em 2014, os proponentes tiveram somente duas semanas para se inscrever, diferente de 2015, quando foi dado um prazo de 40 dias entre o lançamento do edital e o fim das inscrições, sendo que o período de apresentação de propostas culturais foi de um mês. Não por acaso, neste ano, houve 55 inscrições, uma marca história desde que a lei foi criada em 2001, conforme avaliação da própria Secretaria Estadual de Cultura.
Pondero que a realização em alguns municípios de oficinas para divulgar o edital e esclarecer sobre a Lei de Incentivo foi preponderante para o sucesso no número de inscrições desta edição. Espero que isso tenha deixado claro para a Secult o quão importantes são essas iniciativas e que, por tal motivo, elas devem ter o investimento financeiro que merecem, recebendo a logística necessária para o deslocamento dos oficineiros, sejam eles servidores estaduais ou profissionais contratados, a todos os municípios do Estado.
Além disso, oficinas de esclarecimento sobre a Lei Estadual de Incentivo à Cultura e de formação em elaboração de projetos devem ser ações permanentes do Governo do Estado, e não realizadas somente no período de divulgação do edital.
Outro ponto positivo do edital deste ano foi a desburocratização das inscrições. Desde 2012, os editais pediam cópia autenticada dos documentos apresentados na inscrição, o que é desnecessário, antiecológico e contraproducente. O edital de 2015 voltou a exigir somente cópia simples no ato da inscrição e, além disso, deixou para o momento posterior à aprovação dos projetos a obrigatoriedade de apresentar documentos, tais como diversas certidões negativas.
Outro avanço do edital de 2015 foi, pela primeira vez, permitir que o empreendedor apresentasse como comprovante de domicílio em Roraima documentos em nome de terceiros, desde que provasse morar com a pessoa cujo nome consta nos comprovantes de residência entregues.
Veja bem: ao exigir do inscrito a apresentação de documento única e exclusivamente em seu nome, na prática, os editais impediam que pleiteassem recursos da Lei Estadual de Incentivo à Cultura artistas que não tivessem casa própria, que morassem com os pais e assim por diante, o que é antidemocrático.
A elaboração do edital de cada ano deve estar embasada por uma memória histórica do processo e de uma análise comparativa do funcionamento em outros Estados do mecanismo de isenção fiscal para o incentivo público à cultura. Com isso, evita-se retomar medidas que já se mostraram infrutíferas no passado e se avança a partir de exemplos comprovadamente bem sucedidos em outros lugares.
Outras mudanças nos próximos editais dificilmente virão sem mais organização e mobilização dos artistas e produtores culturais de Roraima. Em textos posteriores, pretendo aprofundar mais sobre alterações que julgo necessárias e possíveis.

* Artigo publicado no jornal Roraima em Tempo, em 1º de julho de 2015.

Política Pública de cinema em Roraima?

Cinema é cultura, e cultura é um direito constitucional. Para Durval Muniz de Albuquerque Júnior, ao Estado não cabe o papel de mecenas, censor ou formulador de bens culturais, mas de regulador e investidor em áreas e expressões culturais que não são do interesse da iniciativa privada ou que não objetivem imediatamente o lucro, mas a formação de subjetividades mais democráticas e problematizadoras do mundo em que vivemos.
O acesso do grande público à produção cinematográfica local e regional é mínimo. A exibição de filmes dos cineastas de Roraima Alex Pizano e Thiago Sardenberg em TV e cinema comerciais locais, respectivamente, ainda que sejam motivo para esperança, são exceções. É gritante a hegemonia dos filmes estadunidenses nas salas de cinema e TVs abertas e fechadas no Brasil. Por sua vez, a produção nacional que se sobressai ainda está predominantemente concentrada no eixo Rio - São Paulo.
Diante disso, questiona-se: o que cabe ao Poder Público para que se efetive o direito do cidadão de ter acesso a filmes em salas de cinema, na televisão ou em qualquer outra plataforma em que ele se enxergue e veja a sua realidade, a sua cidade, o seu sotaque, gente com traços como os seus, etc.?
Tendo por base o conceito de Política Pública como um sistema de decisões de Estado para intervir em determinada realidade social, afirmo, sem titubear: em Roraima, não existe Política Pública de fomento ao cinema. Para não restar dúvida, esclarece-se: uma só ação não é Política Pública. Ações isoladas, tampouco.
Para que não pareça que essa é uma crítica direcionada unicamente ao Governo do Estado, começo dizendo que não se tem registro de ações articuladas de nenhuma prefeitura em Roraima voltadas ao cinema, sejam essas ações relacionadas à produção, circulação, formação de profissionais da área, etc.
Quanto ao governo estadual, seu único mecanismo de financiamento à cultura é a Lei Estadual de Incentivo à Cultura, que o faz por meio de isenção fiscal às empresas patrocinadoras, mediante a apresentação de projetos pelos produtores culturais. Tal lei é inspirada na Lei Rouanet, mecanismo criado pelo Governo Federal no começo da década de 90 do século passado, que já se mostrou equivocado.
Nesta lei, assim como nas demais baseadas em isenção fiscal, o Estado abdica da decisão de onde investir o dinheiro público, outorgando à iniciativa privada tal decisão. Ou seja, ainda que o Poder Público reconheça o mérito cultural de um projeto e a viabilidade de executá-lo, se o produtor cultural não conseguir patrocínio de uma empresa, o projeto não sai do papel. Por esse e outros motivos, já estão sendo propostos dispositivos para substituir a Lei Rouanet.
Em relação à Rouanet, a Lei Estadual de Incentivo à Cultura é ainda mais limitada: esta não permite que empresas produtoras de cinema apresentem projetos e, por meio dela, recebam financiamento. Considerando que cinema no Brasil é realizado predominantemente por empresas, já que o custo médio de um longa-metragem nacional é cerca de cinco milhões de reais, essa restrição inviabiliza, quase que por completo, a candidatura de projetos de cinema à Lei Estadual. Raríssimas são as exceções.
Impedidos de pleitear o financiamento como pessoa jurídica com fins lucrativos, resta aos cineastas apresentarem projetos como pessoa física. Assim foi com o filme roraimense ‘Não existem heróis’, do diretor Luiz Cláudio Duarte, muito provavelmente, o único filme realizado com recursos da Lei, desde que ela foi criada em 2001. Os demais ou foram aprovados, mas não conseguiram captar patrocínio junto à iniciativa privada, ou sucumbiram ao desânimo diante de um mecanismo pouco incentivador.
Além disso, em Roraima, não há editais ou prêmios específicos para o audiovisual, festivais de cinema públicos com filmes locais, produtoras públicas em funcionamento, tampouco cursos universitários de cinema.
Os projetos mais consistentes da área que beneficiam o Estado são do Governo Federal, mas que também precisam ser aprimorados. Alguns exemplos são as iniciativas Revelando os Brasis e DOC TV, que resultaram na realização de quatro filmes de Roraima, entre 2005 e 2008.
Diante desse cenário, cabe a nós, cidadãos roraimenses, produtores e ativistas culturais, exigir que as diferentes esferas dos poderes (prefeituras, Governo do Estado, Governo Federal, casas legislativas) fomentem de forma efetiva o cinema em Roraima.
* Artigo publicado no jornal Folha de Boa Vista, em 24 de junho de 2015.