domingo, 31 de janeiro de 2016

Por uma lei que incentive a cultura

A recente regulamentação do Fundo Estadual de Cultura não significa o fim da Lei Estadual de Incentivo à Cultura. Trata-se de formas de investimento complementares. Baseada na isenção fiscal de empresas que decidem patrocinar projetos culturais, a Lei de Incentivo foi, por anos, o único dispositivo público de investimento em cultura em Roraima e não só não pode agora ser abandonada, como tem muito ainda a ser aprimorada.
O principal motivo para alterar urgentemente a lei 318/01 é que ela está em desacordo com o convênio ICMS 74/03, realizado entre o Governo de Roraima e o Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), que autoriza o Estado a conceder crédito presumido do ICMS aos contribuintes enquadrados em programa estadual de incentivo à cultura.
Além disso, a Lei de Incentivo precisa de mecanismos que lhe propiciem mais transparência e eficiência na sua missão de ser uma política pública que ofereça especial atenção aos grupos e segmentos historicamente excluídos dos direitos de acesso aos bens e serviços culturais e que promova a democratização do acesso à produção cultural.
A Lei deve estabelecer contrapartidas mínimas para os projetos selecionados, para além das doações de exemplares do produto cultural que os editais vêm exigindo para a Biblioteca Pública Estadual e demais entidades oficiais de promoção da cultura.
É preciso garantir um quantitativo mínimo de ingressos ou produtos culturais gratuitos e a preços populares. E nada mais justo que projetos que recebam investimento público garantam o acesso a pessoas com deficiência e idosos, moradores de locais remotos ou periféricos e outros públicos que, de outra forma, não teriam acesso a esses bens e serviços.
Além disso, é preciso qualificar a avaliação dos projetos, por meio da contratação de pareceristas, especialistas em cada segmento cultural, a exemplo do que já é feito em outros Estados brasileiros, como Paraná, Ceará e Mato Grosso do Sul, ou pela própria Lei Rouanet, do Governo Federal.
Hoje, a avaliação técnica dos projetos é feita em Roraima por um grupo formado por servidores estaduais, membros de associações culturais e representantes indicados pelo Conselho Estadual de Cultura. Todavia, é muito comum que projetos sejam avaliados por profissionais que, ainda que sejam referência em seu segmento, não têm conhecimento suficiente para realizar um bom julgamento na área específica do projeto.
É necessário ainda acabar com contradições, como o fato de membros do Grupo Técnico de Avaliação de Projetos serem impedidos de apresentar projetos à Lei de Incentivo e não receberem remuneração, enquanto conselheiros de cultura, que avaliam o mérito cultural dos projetos, ganham gratificação de presença (jeton) para participar de reuniões e podem submeter projetos à Lei Estadual de Incentivo à Cultura.
Atualmente, por exemplo, a Lei não impede expressamente que um conselheiro de cultura avalie o projeto cujo proponente seja ele próprio ou a entidade cultural da qual faz parte. Da mesma forma, não estão legalmente impedidos de inscrever projetos servidores da Secretaria de Estado da Cultura ou mesmo o Secretário de Cultura.
É preciso também limitar a possibilidade de cortes orçamentários por parte dos avaliadores que inviabilizem o projeto cultural, estipular gasto mínimo com a contratação de profissionais ou empresas prestadoras de serviços de Roraima e possibilitar que se definam áreas de investimento prioritárias, com o objetivo de diminuir distorções históricas e a concentração dos recursos em um número reduzido de segmentos, grupos ou artistas.
Em suma, é preciso criar mecanismos para aperfeiçoar a legislação para que ela cumpra efetivamente o seu papel de incentivar a cultura de Roraima.

* artigo publicado no jornal Folha de Boa Vista, em 6 de janeiro de 2016