A quinta entrevista da série com escritores de Roraima é com Gabriel Alencar.
Nascido e criado em Roraima, Gabriel Alencar ingressou na literatura em 2016 após participar do Concurso Literário Aldenor Pimentel. Desde então, tem conquistado diferentes prêmios e reconhecimentos literários no Brasil e, recentemente, lançou o livro "Personagens não bíblicos e suas histórias" (2019), publicado pela editora Cultor de Livros.
Como se deu seu contato com a leitura? Alguém o incentivou?
Meu primeiro contato com a leitura foi na infância. Eu estudava no Objetivo e ganhei um concurso de leitura (era um livro do Menino Maluquinho). Mas foi no começo da adolescência que o gosto pela leitura realmente apareceu. Meus pais me levaram para conhecer a Biblioteca do Palácio da Cultura, em Boa Vista. Aquele mundo de oportunidades se abriu e nunca mais saí dele. Lembro que o primeiro livro que emprestei lá foi "O poeta e o cavaleiro", de Pedro Bandeira. Eu aproveitava as férias da escola para ler e ia quase todos os dias à biblioteca. Houve um mês que eu li 30 livros.
Que livros você mais gostou de ler na vida? De que gêneros, escolas literárias e temas você mais gosta?
Como um bom nerd, fantasia e ficção científica sempre foram meus tipos favoritos. Mas tenho um apego pelo drama, que me vem desde a infância também. Não é à toa que leio com gosto Érico Veríssimo, Dostoiévski, Hemingway; mas eles dividem estante com Lewis, Tolkien, Douglas Adams, etc. O que descobri é que não existe necessariamente um tema ou gênero de que eu mais goste. Leio do terror à comédia sem problemas, o que importa pra mim é que o livro tenha a capacidade de me fazer imergir na história para que, por um momento, a mágica aconteça e eu seja transportado para outro lugar.
Quais são suas influências artísticas? Que características desses autores e obras estão presentes na sua produção?
Por mais nerd que eu seja, minha principal influência está em Érico Veríssimo. Seu estilo despojado e seu apego ao cotidiano, às coisas simples da existência humana, e a tradução disso em linguagem acessível a todos se tornaram algo tão marcante que eu me propus a transmitir isto também para o que eu escrevo. Eu invejo um pouco a psicologia profunda de Dostoiévski, não nego. Existem vários destes que com certeza me influenciam indiretamente. Eu talvez só não veja. O sonho de criar um mundo fantástico, por exemplo, ainda crepita dentro de mim (culpa de Tolkien e Lewis).
Como você avalia o cenário atual da literatura em Roraima?
Cheguei a comentar isso em outra entrevista: acho surpreendente como a cena literária roraimense é propensa à cooperação. Evidente que não é isenta de conflitos, mas a vontade de cooperar tem sido um marco na minha trajetória. Veja bem: eu, um escritor ao acaso, desconhecido, tenho escritores já consolidados e experientes ao meu redor que estão constantemente me auxiliando, dando dicas, sugerindo melhorias, etc. Isto me ajuda a crescer, a aprender. Certa vez, comentei com um colega escritor de Brasília e mencionei esta nossa cena local. Ele achou algo de outro mundo. Disse que por lá algo assim seria inimaginável, num "dog eat dog world" em que todos querem devorar. Eu acredito piamente que se preservarmos ao máximo nosso desejo de cooperar, todos podem crescer muito em Roraima.
Que trabalhos literários roraimenses você mais admira?
Esse é difícil. Primeiro porque devo admitir meu pecado: não leio tantos autores roraimenses quanto deveria. Em parte, é pelo medo. Tenho medo de não gostar. E não consigo mentir. Especialmente por conta das resenhas que posto com alguma frequência no meu blog. Mas posso falar que, dos que já li, tenho três favoritos: Devair Fiorotti, Aldenor Pimentel e Edgar Borges.
Com estes dois últimos, sinto familiaridade nos textos. Acho que temos algo em comum na escrita de contos, talvez até nas abordagens poéticas. Já o primeiro, desculpem rapazes, está em outro nível. A qualidade do material do prof. Devair é fenomenal, fruto de anos de pesquisa e experiência acadêmica que só os anos podem dar.
O que você diria sobre a nova geração de escritores de Roraima?
Agora complicou (risos). Complicou porque, julgo eu, me encaixo nessa categoria bem aí. O que dizer da nova geração? Não tenho ideia. Estamos tentando criar literatura; mas, como todos que vieram antes de nós, temos mil afazeres e preocupações. É difícil dedicar-se melhor à literatura. Produzimos algo diferente? Inegável. Seria isso melhor? Questionável. Não temos experiência ainda (é muita ousadia falar em nome de toda a geração, corta isso). Não tenho experiência ainda. Mas produzimos algo diferente porque somos outra geração, temos um Zeitgeist diferente que nos permeia, somos marcados por novos processos. Só o que precisamos é aplicar isso a uma literatura cada vez mais qualificada.
Quais são seus objetivos, como escritor?
Excelente pergunta. Eu saí da música e caí na literatura bem ao acaso. Pra ser bem sincero, ainda não tenho plena consciência do que estou fazendo, só sei que está dando certo. Aliás, as coisas aconteceram tão rápido e deram tão certo, que não tenho dúvidas de que a escrita foi um presente de Deus. Partindo disto, acho que meu grande objetivo é servir ao Senhor com este dom. Onde isso vai levar? Ou melhor, onde quero chegar com isso? Bom, isso ainda não sei.
Quais os momentos mais marcantes da sua carreira?
Ah, com certeza ter ganhado aquele primeiro concurso em 2016. Ali foi um "turning point", um momento em que meus olhos foram abertos para uma nova possibilidade. Ouso dizer, pelo menos até agora, que foi maior até mesmo do que o lançamento do meu livro. Tudo que aconteceu depois derivou dali. Embora, é claro, todo o processo de "Personagens não bíblicos e suas histórias" (desde sua concepção, até sua publicação e lançamento) foi algo que maturou demais meu conceito sobre literatura e mercado literário.
Como você caracteriza os textos que produz?
Vish, aí acho que esta seria uma pergunta para um crítico de literatura, ha ha. Não tenho know-how suficiente pra dizer algo assim. Arrisco a dizer que são textos sempre informais, ou simples. Mas isto não expressa bem ainda a coisa. Até mesmo os textos que eu produzi há três anos já não tem as mesmas características dos que eu produzo hoje. Meu parecer final, penso, é que ainda estou muito "verde" pra apontar algo assim com clareza.
Como é o seu processo de criação?
Excelente pergunta. Na música eu saberia responder isso com bastante facilidade. Mas, na literatura, creio que o processo se dá de três modos: ideia do começo, ideia do fim, demanda de ideia. Às vezes, tenho ideia do começo de algo e resolvo explorar, pra ver aonde vai chegar; às vezes tenho a ideia do fim e resolvo escrever algo para chegar ali. A demanda da ideia, por sua vez, tem sido o mais comum. Quando participo de concursos literários, vejo o que é necessário (limite do tamanho do texto, temática, etc). e escrevo a partir desses parâmetros. Algumas vezes, a isto soma-se a "ideia do começo/fim"; mas, quando não ocorre, faço muito brainstorm (de preferência com outras pessoas) até sair algo que eu diga "ah, com isso eu posso trabalhar". E escrevo.
O que o inspira a escrever? Quais são seus temas mais recorrentes?
Fantasia. Mas uma fantasia que vai além de dragões e magos. O que me inspira a escrever são as coisas simples da vida. Assim como Érico Veríssimo, acredito que a verdadeira magia não está nas grandes coisas, mas nas nossas lutas diárias, nas derrotas e vitórias, nos pequenos sorrisos, na vida do dia a dia. Chamo isso de "fantasia do cotidiano". Hoje, acho que mesmo se escrevesse um romance de fantasia, eu ainda escreveria algo utilizando esse recorte.
Fale sobre os livros que você publicou.
Por enquanto, tenho apenas um: "Personagens não-bíblicos e suas histórias", obra de ficção cristã. Trata-se de uma antologia contendo 22 contos que abordam o cotidiano de pessoas que teriam vivido nos tempos de Jesus. Os contos enfatizam as coisas simples do dia a dia, possibilitando ao leitor relacionar-se com as personagens e perceber que Deus não está apenas nos grandes acontecimentos, mas em todos eles. Utilizo a cronologia do Novo Testamento para trazer o olhar de personagens que não participaram diretamente dos grandes acontecimentos de sua época, mas que estavam lá vivenciando tudo.
Como você tem conseguido viabilizar financeiramente a publicação dos seus trabalhos?
No momento, tudo é graças à editora Cultor de Livros, que acreditou na proposta do livro e o publicou nos moldes tradicionais. Mas além disto, utilizo com bastante intensidade as redes sociais e plataformas on-line gratuitas. O engajamento nas redes sociais é algo que tem impulsionado bastante o meu trabalho.
Quais são seus projetos futuros?
Só perguntas excelentes. A resposta é simples: não tenho ideia. Como falei, a literatura caiu no meu colo e ainda estou tentando lidar com isso. Não sei até que ponto vou deixar a Música de lado (se é que vou fazer isso) e nem sei que caminho percorrer ainda. Por hora, admito que tenho ideia para pelo menos dois outros livros: um de microcontos/crônicas e outro um romance de fantasia. Mas tudo ainda está bastante no mundo das ideias. A verdade é que não sei bem ainda que caminho escolher.
Caso queira acrescentar algo a mais que não foi perguntado, fique à vontade.
Só gostaria de reforçar. Nunca foi tão evidente que o que eu tenho feito não é meu. Não é algo que vem de mim. Deus tem aberto as portas e me presenteado com tudo isso, nunca tive tanta certeza de algo. Na música, quem sabe eu ainda cairia no erro de querer reivindicar alguma glória, uma vez que estudei com afinco o piano, cello, canto lírico, teoria musical para escrever as composições, etc. Mas, por outro lado, na literatura não tenho aporte nenhum. Não dá nem pra tentar. A literatura, para mim, foi um presente de Deus.
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