domingo, 26 de julho de 2015

Política Pública de cinema em Roraima?

Cinema é cultura, e cultura é um direito constitucional. Para Durval Muniz de Albuquerque Júnior, ao Estado não cabe o papel de mecenas, censor ou formulador de bens culturais, mas de regulador e investidor em áreas e expressões culturais que não são do interesse da iniciativa privada ou que não objetivem imediatamente o lucro, mas a formação de subjetividades mais democráticas e problematizadoras do mundo em que vivemos.
O acesso do grande público à produção cinematográfica local e regional é mínimo. A exibição de filmes dos cineastas de Roraima Alex Pizano e Thiago Sardenberg em TV e cinema comerciais locais, respectivamente, ainda que sejam motivo para esperança, são exceções. É gritante a hegemonia dos filmes estadunidenses nas salas de cinema e TVs abertas e fechadas no Brasil. Por sua vez, a produção nacional que se sobressai ainda está predominantemente concentrada no eixo Rio - São Paulo.
Diante disso, questiona-se: o que cabe ao Poder Público para que se efetive o direito do cidadão de ter acesso a filmes em salas de cinema, na televisão ou em qualquer outra plataforma em que ele se enxergue e veja a sua realidade, a sua cidade, o seu sotaque, gente com traços como os seus, etc.?
Tendo por base o conceito de Política Pública como um sistema de decisões de Estado para intervir em determinada realidade social, afirmo, sem titubear: em Roraima, não existe Política Pública de fomento ao cinema. Para não restar dúvida, esclarece-se: uma só ação não é Política Pública. Ações isoladas, tampouco.
Para que não pareça que essa é uma crítica direcionada unicamente ao Governo do Estado, começo dizendo que não se tem registro de ações articuladas de nenhuma prefeitura em Roraima voltadas ao cinema, sejam essas ações relacionadas à produção, circulação, formação de profissionais da área, etc.
Quanto ao governo estadual, seu único mecanismo de financiamento à cultura é a Lei Estadual de Incentivo à Cultura, que o faz por meio de isenção fiscal às empresas patrocinadoras, mediante a apresentação de projetos pelos produtores culturais. Tal lei é inspirada na Lei Rouanet, mecanismo criado pelo Governo Federal no começo da década de 90 do século passado, que já se mostrou equivocado.
Nesta lei, assim como nas demais baseadas em isenção fiscal, o Estado abdica da decisão de onde investir o dinheiro público, outorgando à iniciativa privada tal decisão. Ou seja, ainda que o Poder Público reconheça o mérito cultural de um projeto e a viabilidade de executá-lo, se o produtor cultural não conseguir patrocínio de uma empresa, o projeto não sai do papel. Por esse e outros motivos, já estão sendo propostos dispositivos para substituir a Lei Rouanet.
Em relação à Rouanet, a Lei Estadual de Incentivo à Cultura é ainda mais limitada: esta não permite que empresas produtoras de cinema apresentem projetos e, por meio dela, recebam financiamento. Considerando que cinema no Brasil é realizado predominantemente por empresas, já que o custo médio de um longa-metragem nacional é cerca de cinco milhões de reais, essa restrição inviabiliza, quase que por completo, a candidatura de projetos de cinema à Lei Estadual. Raríssimas são as exceções.
Impedidos de pleitear o financiamento como pessoa jurídica com fins lucrativos, resta aos cineastas apresentarem projetos como pessoa física. Assim foi com o filme roraimense ‘Não existem heróis’, do diretor Luiz Cláudio Duarte, muito provavelmente, o único filme realizado com recursos da Lei, desde que ela foi criada em 2001. Os demais ou foram aprovados, mas não conseguiram captar patrocínio junto à iniciativa privada, ou sucumbiram ao desânimo diante de um mecanismo pouco incentivador.
Além disso, em Roraima, não há editais ou prêmios específicos para o audiovisual, festivais de cinema públicos com filmes locais, produtoras públicas em funcionamento, tampouco cursos universitários de cinema.
Os projetos mais consistentes da área que beneficiam o Estado são do Governo Federal, mas que também precisam ser aprimorados. Alguns exemplos são as iniciativas Revelando os Brasis e DOC TV, que resultaram na realização de quatro filmes de Roraima, entre 2005 e 2008.
Diante desse cenário, cabe a nós, cidadãos roraimenses, produtores e ativistas culturais, exigir que as diferentes esferas dos poderes (prefeituras, Governo do Estado, Governo Federal, casas legislativas) fomentem de forma efetiva o cinema em Roraima.
* Artigo publicado no jornal Folha de Boa Vista, em 24 de junho de 2015.

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