sábado, 20 de agosto de 2016

O Brasil precisa de uma política de leitura e escrita (coluna Letras Políticas)

“Para quem não sabe aonde vai, qualquer caminho serve” – disse o escritor Lewis Caroll, pela boca do Gato, personagem da sua mais famosa obra, Alice no País das Maravilhas. Já o poeta Thiago de Mello escreveu: “não tenho caminho novo. O que tenho de novo é o jeito de caminhar”.
Quem costuma se aventurar pelo mundo mágico das palavras sabe que, tão importante quanto o desfecho de uma narrativa, é como se chega lá. A nação que almeja ser um país de leitores e de gente que escreve a própria história deve ter não só um plano, mas uma política de leitura e escrita.
O projeto de lei n. 212/2016 tramita no Congresso e pretende instituir a Política Nacional de Leitura e Escrita. O projeto é fruto de um amplo e longo debate entre a sociedade civil organizada e o Poder Público, que, entre outros, rendeu frutos como o Plano Nacional do Livro e Leitura, instituído em 2006.
O projeto de lei prevê que a Política Nacional de Leitura e Escrita seja implementada pelos ministérios da Cultura e da Educação, em cooperação com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, e com a participação da sociedade civil e de instituições privadas.
Alguns dos objetivos do projeto são democratizar o acesso ao livro; fomentar estudos e indicadores nas áreas do livro, da leitura, da escrita, da literatura e das bibliotecas; desenvolver a economia do livro; promover a formação profissional nos segmentos criativo e produtivo do livro e mediador da leitura; e incentivar a criação e a implantação de planos estaduais e municipais do livro e da leitura.
Para que esta não seja uma lei que nasça letra morta, a sociedade civil deve participar ativamente de sua construção, exigir a realização de audiências públicas e se fazer presente nesses importantes momentos da elaboração de políticas públicas para o setor. Temos um bom caminho pela frente. Caminhemos…

sábado, 6 de agosto de 2016

​Ocupar com todas as letras

O recuo do Governo Temer que o levou a desextinguir o Ministério da Cultura representa uma vitória dos direitos culturais brasileiros e o poder de mobilização dos artistas, produtores culturais e militantes do segmento. Os fazedores de literatura também ajudam a construir essa história, que ainda não acabou, mas esperamos tenha final feliz.
Diferente do que dizem os grandes veículos de comunicação do País e as intermináveis campanhas difamatórias nas redes sociais, não queremos regalias. Não nos interessa a distorcida política da Lei Rouanet, que, refém de critérios mercadológicos, concentra a maior parte do incentivo nos dois Estados mais ricos do Brasil e acaba por destinar recursos públicos para a promoção de grandes empresas.
Queremos políticas públicas que deem especial atenção aos grupos e segmentos historicamente excluídos dos direitos de acesso aos bens e serviços culturais e que promovam a democratização do acesso à produção cultural.
Queremos a continuidade e o aperfeiçoamento de iniciativas como a Política Nacional de Cultura Viva, o Prêmio Viva Leitura, o suporte à participação de representantes da sociedade civil no Conselho Nacional de Política Cultural, editais de fomento à criação, à publicação, à circulação, à formação, a intercâmbios literários e à estruturação de bibliotecas comunitárias. Para ter o efeito necessário e duradouro, essas e outras ações devem ser assumidas como políticas de Estado, mais que de Governo.
Esta coluna é um espaço de exposição e diálogo sobre políticas voltadas à literatura, ao livro, à leitura e às bibliotecas. Como toda obra aberta, de que fala Umberto Eco, este é um território aberto a sugestões de temas e a discussões. Que nos ocupemos delas e as ocupemos com todas as letras!
* Texto publicado originalmente na coluna Letras Políticas, do blog Portal da Escrita, no dia 5 de agosto de 2016.

domingo, 31 de janeiro de 2016

Por uma lei que incentive a cultura

A recente regulamentação do Fundo Estadual de Cultura não significa o fim da Lei Estadual de Incentivo à Cultura. Trata-se de formas de investimento complementares. Baseada na isenção fiscal de empresas que decidem patrocinar projetos culturais, a Lei de Incentivo foi, por anos, o único dispositivo público de investimento em cultura em Roraima e não só não pode agora ser abandonada, como tem muito ainda a ser aprimorada.
O principal motivo para alterar urgentemente a lei 318/01 é que ela está em desacordo com o convênio ICMS 74/03, realizado entre o Governo de Roraima e o Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), que autoriza o Estado a conceder crédito presumido do ICMS aos contribuintes enquadrados em programa estadual de incentivo à cultura.
Além disso, a Lei de Incentivo precisa de mecanismos que lhe propiciem mais transparência e eficiência na sua missão de ser uma política pública que ofereça especial atenção aos grupos e segmentos historicamente excluídos dos direitos de acesso aos bens e serviços culturais e que promova a democratização do acesso à produção cultural.
A Lei deve estabelecer contrapartidas mínimas para os projetos selecionados, para além das doações de exemplares do produto cultural que os editais vêm exigindo para a Biblioteca Pública Estadual e demais entidades oficiais de promoção da cultura.
É preciso garantir um quantitativo mínimo de ingressos ou produtos culturais gratuitos e a preços populares. E nada mais justo que projetos que recebam investimento público garantam o acesso a pessoas com deficiência e idosos, moradores de locais remotos ou periféricos e outros públicos que, de outra forma, não teriam acesso a esses bens e serviços.
Além disso, é preciso qualificar a avaliação dos projetos, por meio da contratação de pareceristas, especialistas em cada segmento cultural, a exemplo do que já é feito em outros Estados brasileiros, como Paraná, Ceará e Mato Grosso do Sul, ou pela própria Lei Rouanet, do Governo Federal.
Hoje, a avaliação técnica dos projetos é feita em Roraima por um grupo formado por servidores estaduais, membros de associações culturais e representantes indicados pelo Conselho Estadual de Cultura. Todavia, é muito comum que projetos sejam avaliados por profissionais que, ainda que sejam referência em seu segmento, não têm conhecimento suficiente para realizar um bom julgamento na área específica do projeto.
É necessário ainda acabar com contradições, como o fato de membros do Grupo Técnico de Avaliação de Projetos serem impedidos de apresentar projetos à Lei de Incentivo e não receberem remuneração, enquanto conselheiros de cultura, que avaliam o mérito cultural dos projetos, ganham gratificação de presença (jeton) para participar de reuniões e podem submeter projetos à Lei Estadual de Incentivo à Cultura.
Atualmente, por exemplo, a Lei não impede expressamente que um conselheiro de cultura avalie o projeto cujo proponente seja ele próprio ou a entidade cultural da qual faz parte. Da mesma forma, não estão legalmente impedidos de inscrever projetos servidores da Secretaria de Estado da Cultura ou mesmo o Secretário de Cultura.
É preciso também limitar a possibilidade de cortes orçamentários por parte dos avaliadores que inviabilizem o projeto cultural, estipular gasto mínimo com a contratação de profissionais ou empresas prestadoras de serviços de Roraima e possibilitar que se definam áreas de investimento prioritárias, com o objetivo de diminuir distorções históricas e a concentração dos recursos em um número reduzido de segmentos, grupos ou artistas.
Em suma, é preciso criar mecanismos para aperfeiçoar a legislação para que ela cumpra efetivamente o seu papel de incentivar a cultura de Roraima.

* artigo publicado no jornal Folha de Boa Vista, em 6 de janeiro de 2016