quinta-feira, 28 de novembro de 2019

quarta-feira, 27 de novembro de 2019

Entrevista com o escritor Gabriel Alencar

A quinta entrevista da série com escritores de Roraima é com Gabriel Alencar. 

Nascido e criado em Roraima, Gabriel Alencar ingressou na literatura em 2016 após participar do Concurso Literário Aldenor Pimentel. Desde então, tem conquistado diferentes prêmios e reconhecimentos literários no Brasil e, recentemente, lançou o livro "Personagens não bíblicos e suas histórias" (2019), publicado pela editora Cultor de Livros.


Como se deu seu contato com a leitura? Alguém o incentivou? 

Meu primeiro contato com a leitura foi na infância. Eu estudava no Objetivo e ganhei um concurso de leitura (era um livro do Menino Maluquinho). Mas foi no começo da adolescência que o gosto pela leitura realmente apareceu. Meus pais me levaram para conhecer a Biblioteca do Palácio da Cultura, em Boa Vista. Aquele mundo de oportunidades se abriu e nunca mais saí dele. Lembro que o primeiro livro que emprestei lá foi "O poeta e o cavaleiro", de Pedro Bandeira. Eu aproveitava as férias da escola para ler e ia quase todos os dias à biblioteca. Houve um mês que eu li 30 livros. 


Que livros você mais gostou de ler na vida? De que gêneros, escolas literárias e temas você mais gosta? 

Como um bom nerd, fantasia e ficção científica sempre foram meus tipos favoritos. Mas tenho um apego pelo drama, que me vem desde a infância também. Não é à toa que leio com gosto Érico Veríssimo, Dostoiévski, Hemingway; mas eles dividem estante com Lewis, Tolkien, Douglas Adams, etc. O que descobri é que não existe necessariamente um tema ou gênero de que eu mais goste. Leio do terror à comédia sem problemas, o que importa pra mim é que o livro tenha a capacidade de me fazer imergir na história para que, por um momento, a mágica aconteça e eu seja transportado para outro lugar. 


Quais são suas influências artísticas? Que características desses autores e obras estão presentes na sua produção?

Por mais nerd que eu seja, minha principal influência está em Érico Veríssimo. Seu estilo despojado e seu apego ao cotidiano, às coisas simples da existência humana, e a tradução disso em linguagem acessível a todos se tornaram algo tão marcante que eu me propus a transmitir isto também para o que eu escrevo. Eu invejo um pouco a psicologia profunda de Dostoiévski, não nego. Existem vários destes que com certeza me influenciam indiretamente. Eu talvez só não veja. O sonho de criar um mundo fantástico, por exemplo, ainda crepita dentro de mim (culpa de Tolkien e Lewis). 


Como você avalia o cenário atual da literatura em Roraima? 

Cheguei a comentar isso em outra entrevista: acho surpreendente como a cena literária roraimense é propensa à cooperação. Evidente que não é isenta de conflitos, mas a vontade de cooperar tem sido um marco na minha trajetória. Veja bem: eu, um escritor ao acaso, desconhecido, tenho escritores já consolidados e experientes ao meu redor que estão constantemente me auxiliando, dando dicas, sugerindo melhorias, etc. Isto me ajuda a crescer, a aprender. Certa vez, comentei com um colega escritor de Brasília e mencionei esta nossa cena local. Ele achou algo de outro mundo. Disse que por lá algo assim seria inimaginável, num "dog eat dog world" em que todos querem devorar. Eu acredito piamente que se preservarmos ao máximo nosso desejo de cooperar, todos podem crescer muito em Roraima. 


Que trabalhos literários roraimenses você mais admira? 

Esse é difícil. Primeiro porque devo admitir meu pecado: não leio tantos autores roraimenses quanto deveria. Em parte, é pelo medo. Tenho medo de não gostar. E não consigo mentir. Especialmente por conta das resenhas que posto com alguma frequência no meu blog. Mas posso falar que, dos que já li, tenho três favoritos: Devair Fiorotti, Aldenor Pimentel e Edgar Borges. 

Com estes dois últimos, sinto familiaridade nos textos. Acho que temos algo em comum na escrita de contos, talvez até nas abordagens poéticas. Já o primeiro, desculpem rapazes, está em outro nível. A qualidade do material do prof. Devair é fenomenal, fruto de anos de pesquisa e experiência acadêmica que só os anos podem dar. 


O que você diria sobre a nova geração de escritores de Roraima? 

Agora complicou (risos). Complicou porque, julgo eu, me encaixo nessa categoria bem aí. O que dizer da nova geração? Não tenho ideia. Estamos tentando criar literatura; mas, como todos que vieram antes de nós, temos mil afazeres e preocupações. É difícil dedicar-se melhor à literatura. Produzimos algo diferente? Inegável. Seria isso melhor? Questionável. Não temos experiência ainda (é muita ousadia falar em nome de toda a geração, corta isso). Não tenho experiência ainda. Mas produzimos algo diferente porque somos outra geração, temos um Zeitgeist diferente que nos permeia, somos marcados por novos processos. Só o que precisamos é aplicar isso a uma literatura cada vez mais qualificada. 


Quais são seus objetivos, como escritor? 

Excelente pergunta. Eu saí da música e caí na literatura bem ao acaso. Pra ser bem sincero, ainda não tenho plena consciência do que estou fazendo, só sei que está dando certo. Aliás, as coisas aconteceram tão rápido e deram tão certo, que não tenho dúvidas de que a escrita foi um presente de Deus. Partindo disto, acho que meu grande objetivo é servir ao Senhor com este dom. Onde isso vai levar? Ou melhor, onde quero chegar com isso? Bom, isso ainda não sei. 


Quais os momentos mais marcantes da sua carreira? 

Ah, com certeza ter ganhado aquele primeiro concurso em 2016. Ali foi um "turning point", um momento em que meus olhos foram abertos para uma nova possibilidade. Ouso dizer, pelo menos até agora, que foi maior até mesmo do que o lançamento do meu livro. Tudo que aconteceu depois derivou dali. Embora, é claro, todo o processo de "Personagens não bíblicos e suas histórias" (desde sua concepção, até sua publicação e lançamento) foi algo que maturou demais meu conceito sobre literatura e mercado literário. 


Como você caracteriza os textos que produz?

Vish, aí acho que esta seria uma pergunta para um crítico de literatura, ha ha. Não tenho know-how suficiente pra dizer algo assim. Arrisco a dizer que são textos sempre informais, ou simples. Mas isto não expressa bem ainda a coisa. Até mesmo os textos que eu produzi há três anos já não tem as mesmas características dos que eu produzo hoje. Meu parecer final, penso, é que ainda estou muito "verde" pra apontar algo assim com clareza.


Como é o seu processo de criação? 

Excelente pergunta. Na música eu saberia responder isso com bastante facilidade. Mas, na literatura, creio que o processo se dá de três modos: ideia do começo, ideia do fim, demanda de ideia. Às vezes, tenho ideia do começo de algo e resolvo explorar, pra ver aonde vai chegar; às vezes tenho a ideia do fim e resolvo escrever algo para chegar ali. A demanda da ideia, por sua vez, tem sido o mais comum. Quando participo de concursos literários, vejo o que é necessário (limite do tamanho do texto, temática, etc). e escrevo a partir desses parâmetros. Algumas vezes, a isto soma-se a "ideia do começo/fim"; mas, quando não ocorre, faço muito brainstorm (de preferência com outras pessoas) até sair algo que eu diga "ah, com isso eu posso trabalhar". E escrevo. 


O que o inspira a escrever? Quais são seus temas mais recorrentes? 

Fantasia. Mas uma fantasia que vai além de dragões e magos. O que me inspira a escrever são as coisas simples da vida. Assim como Érico Veríssimo, acredito que a verdadeira magia não está nas grandes coisas, mas nas nossas lutas diárias, nas derrotas e vitórias, nos pequenos sorrisos, na vida do dia a dia. Chamo isso de "fantasia do cotidiano". Hoje, acho que mesmo se escrevesse um romance de fantasia, eu ainda escreveria algo utilizando esse recorte. 


Fale sobre os livros que você publicou. 

Por enquanto, tenho apenas um: "Personagens não-bíblicos e suas histórias", obra de ficção cristã. Trata-se de uma antologia contendo 22 contos que abordam o cotidiano de pessoas que teriam vivido nos tempos de Jesus. Os contos enfatizam as coisas simples do dia a dia, possibilitando ao leitor relacionar-se com as personagens e perceber que Deus não está apenas nos grandes acontecimentos, mas em todos eles. Utilizo a cronologia do Novo Testamento para trazer o olhar de personagens que não participaram diretamente dos grandes acontecimentos de sua época, mas que estavam lá vivenciando tudo. 


Como você tem conseguido viabilizar financeiramente a publicação dos seus trabalhos?

No momento, tudo é graças à editora Cultor de Livros, que acreditou na proposta do livro e o publicou nos moldes tradicionais. Mas além disto, utilizo com bastante intensidade as redes sociais e plataformas on-line gratuitas. O engajamento nas redes sociais é algo que tem impulsionado bastante o meu trabalho.


Quais são seus projetos futuros? 

Só perguntas excelentes. A resposta é simples: não tenho ideia. Como falei, a literatura caiu no meu colo e ainda estou tentando lidar com isso. Não sei até que ponto vou deixar a Música de lado (se é que vou fazer isso) e nem sei que caminho percorrer ainda. Por hora, admito que tenho ideia para pelo menos dois outros livros: um de microcontos/crônicas e outro um romance de fantasia. Mas tudo ainda está bastante no mundo das ideias. A verdade é que não sei bem ainda que caminho escolher. 


Caso queira acrescentar algo a mais que não foi perguntado, fique à vontade. 

Só gostaria de reforçar. Nunca foi tão evidente que o que eu tenho feito não é meu. Não é algo que vem de mim. Deus tem aberto as portas e me presenteado com tudo isso, nunca tive tanta certeza de algo. Na música, quem sabe eu ainda cairia no erro de querer reivindicar alguma glória, uma vez que estudei com afinco o piano, cello, canto lírico, teoria musical para escrever as composições, etc. Mas, por outro lado, na literatura não tenho aporte nenhum. Não dá nem pra tentar. A literatura, para mim, foi um presente de Deus. 


Redes sociais 

(hoje em dia 90% de tudo que publico está no Instagram @escritoraoacaso. Recomendo seguir!)


Blog 



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Outras entrevistas da série com escritores de Roraima

quinta-feira, 21 de novembro de 2019

O guerreiro Juventino e o filho da escuridão (Francelir Alves)

ALVES, Francelir. O guerreiro Juventino e o filho da escuridão. Boa Vista: Gráfica Real, 2019.


Sinopse 
Em versos, a história retrata a disputa do príncipe Juventino contra o filho da escuridão, que tomara o poder no Reino.

Ilustração
Lindomar Neves Bach

Informações complementares 
Baseada em histórias populares medievais do Oriente. Publicado por meio da Lei Estadual de Incentivo à Cultura.

Veja também
Obras literárias de Roraima: levantamento inicial
Literatura de cordel em Roraima
Animais ameaçados de extinção. v. 3 (Zezé Maku)
Roraima, vítima da seca e do fogo (João Felix Vasconcelos)
Roraima. Terra que amo (Lindomar Neves Bach)
Lavrados e cordéis (Rodrigo Leonardo Costa de Oliveira)
Verbo porvir: a poesia em gestação em Roraima

quarta-feira, 20 de novembro de 2019

Resultado do IV Concurso Literário Internacional Palavradeiros

Categoria: Poesia

1º lugar: Evasão Afetiva (Renaqeqs)
Escola: Colégio de Aplicação (3°série do Ensino Médio)

2º lugar: Amor (Jesus Larez)
Escola Estadual Professora Maria das Dores Brasil (3°série do Ensino Médio)

3º lugar: Menina (Ana Almeida)
Colégio Militar Cel. PM Derly Luís Vieira Borges (2º ano do Ensino Médio)


Categoria: Conto

1º lugar: A pedra (Joaquim Bispo) – Odivelas (Portugal)
Música que inspirou o conto: Cidade do Campo (Armando de Paula / Eliakin Rufino)

2º lugar: A marca (Luis Parente) – Rio de Janeiro (RJ)
Música que inspirou o conto: Ditados Impopulares (Eliakin Rufino)

3º lugar: Neto do nordeste (Cocota-San) – Natal (RN)
Música que inspirou o conto: Neto do Nordeste (Eliakin Rufino)

Menções honrosas
No lugar errado (Prosa de Guimarães) – Rio de Janeiro (RJ)
Música que inspirou o conto: Hino de Roraima (Dorval de Magalhães / Dirson Felix Costa)

Pedras e rios (Alex Rosa) – Judiaí (SP)
Música que inspirou o conto: Canto das Pedras (Zeca Preto / Neuber Uchôa)

Sal e pimenta (Diogo Conzer) – Brasília (DF)
Música que inspirou o conto: Pimenta com Sal (Eliakin Rufino)

Julieta (Marcos Passos) – Gravataí (RS)
Música que inspirou o conto: Julieta (Caio Munhoz, Daniel Alencar e Murilo Pommerening) - Intérprete: Projeto Churras

Refugiado: uma travessia (Selmara Silva) - Petrópolis (RJ)
Música que inspirou o conto: Roraimeira (Zeca Preto)

Palavras quentes (Evandro Valentim de Melo) – Brasília (DF)
Música que inspirou o conto: (Ar) Árvores (Geraldo Brito / Glauco Luz) - Intérprete: Zé Roraima

A premiação será no dia 8 de dezembro de 2019, a partir das 19 horas, no Centro de Convenções Jardins Casa Grande, na rua Bento Brasil, 835, Centro - Boa Vista (RR).

Comissão Julgadora

Edgar Borges é escritor de prosa e poesia, tendo publicado os livros de contos Roraima Blues e Sem Grandes Delongas. Cursa Mestrado em Letras na Universidade Federal de Roraima e é um dos coordenadores do Coletivo Caimbé, que desde 2009 promove atividades literárias em Roraima e outros Estados do Brasil. 


Lívia Milanez é tradutora, revisora, contista e resenhista. Publicou na revista Flaubert (contos) e na coletânea Novena para Pecar em Paz (editora Penalux). Analisou em profundidade vários dos romances laureados com o Prêmio Sesc de Literatura no site Resenhas do Prêmio Sesc de Literatura e foi entrevistada especial na primeira edição da Revista do Prêmio Sesc (2015). Viveu em Roraima dos seis aos quatorze anos e, no ano de 2019, mora em Brasília.

Mirella Miranda é doutora em Literatura Comparada pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERj (2016) e mestre em Letras (Teoria Literária e Literatura Comparada) pela Universidade de São Paulo - USP (2003). Atualmente é ativo permanente da Universidade Federal de Roraima. Tem experiência na área de Letras, com ênfase em Letras, atuando principalmente nos seguintes temas: teoria da literatura e literatura comparada, literatura brasileira, história da literatura, ensino de literatura, práticas de ensino e práticas pedagógicas inovadoras.

Ouça as músicas que inspiraram estes e outros contos inscritos na edição de 2019 
Músicas de Roraima que inspiraram os contos inscritos no IV Concurso Literário Internacional Palavradeiros

Leia também
Regulamento do IV Concurso Literário Internacional Palavradeiros

terça-feira, 19 de novembro de 2019

sábado, 16 de novembro de 2019

Músicas de Roraima que inspiraram os contos inscritos no IV Concurso Literário Internacional Palavradeiros

Para concorrerem na quarta edição do Concurso Literário Internacional Palavradeiros, os contos inscritos deveriam ser inspirados na letra de alguma música de compositor ou intérprete que nasceu ou mora/morou no Estado de Roraima.

Confira todas as músicas que inspiraram os contos inscritos em 2019:

(Ar) Árvores (Geraldo Brito / Glauco Luz) - Intérprete: Zé Roraima

Canto das Pedras (Zeca Preto / Neuber Uchôa)

Cidade do Campo (Armando de Paula / Eliakin Rufino) - Intérprete: Halisson Crystian

Cruviana (Neuber Uchôa)

Ditados Impopulares (Eliakin Rufino) - Intérprete: Leila Pinheiro

É Makunaima (Ricardo Nogueira)

Hino de Roraima (Dorval de Magalhães / Dirson Felix Costa)

Julieta (Caio Munhoz, Daniel Alencar e Murilo Pommerening) - Intérprete: Projeto Churras

Memória da Tribo (Eliakin Rufino / Nilson Chaves)

Neto do Nordeste (Eliakin Rufino) - Intérprete: Ernandes Dantas

O que Diabos é Jazz (Zé Roraima)

Pimenta com Sal (Eliakin Rufino) Intérprete: Lucinha Bastos

Princesinha dos 100 anos (Zé Roraima / Will Silva)

Roraimeira (Zeca Preto)

Se Chovesse Você (Adonay Pereira / Eliana Printes / Eliakin Rufino) - Intérprete: Eliana Printes

Leia também
Músicas de Roraima que ganharam o País na voz de figurões da MPB
Músicas em homenagem a Chico Mendes
Antologia do III Concurso Literário Internacional Palavradeiros
Antologia do II Concurso Literário Internacional Palavradeiros

quinta-feira, 14 de novembro de 2019

quinta-feira, 7 de novembro de 2019

Poemas urbanóides (Francisco Alves Gomes)

GOMES, Francisco Alves. Poemas urbanóides. Rio de Janeiro: Letras e versos, 2017.


Sinopse 
Antologia de poemas permeados por um busca que visa entender o local do poeta no ambiente urbano. Boa Vista é o cenário carnavalizado dessa busca. Grande parte dos poemas apresentam um eu poético em constante fratura com os signos que compõem a realidade.

Veja também
Obras literárias de Roraima: levantamento inicial
Verbo porvir: a poesia em gestação em Roraima
Concursos literários de Roraima
A diáspora da literatura de Roraima
Roraima na Flip 2018: fotografia, poesia e prosa
Amor amante (Rosidelma Fraga)
Amor roxo por Manaus e outras histórias (Débora Menezes)
Sem ficar esperando (Josimar de Sousa)

quarta-feira, 6 de novembro de 2019

Resenha: A cor do dinheiro da vovó, de Cristino Wapichana

Educação financeira a partir da visão de uma anciã indígena analfabeta. A proposta do livro infantojuvenil ‘A cor do dinheiro da vovó’, de Cristino Wapichana, gera, ao mesmo tempo, estranheza e curiosidade. E surpreende: para mim, é o melhor texto do autor publicado até o momento. 

‘A cor do dinheiro da vovó’ vai além de seu objetivo didático. Aliás, quase toda a obra nos faz esquecer tal pretenso didatismo. De suas páginas emanam poesia, como “mãos delicadas, que mais pareciam um par de asas de passarinho guardando um sorriso amável”. 

E também a escolha por retratar o povo wapichana no contexto urbano é um diferencial, em um cenário com predominância de livros, escritos por autores indígenas ou não, com personagens indígenas sem contato com os karaiowá (estrangeiros, não indígenas). E, assim, em ‘A cor do dinheiro da vovó’, vemos os wapichana em um mundo onde há escolas, cercas, igrejas, comércio, banco, dinheiro. Eles aparecem como estudantes, aposentados, servidores públicos, educadores, agentes de saúde, etc. Esse foi o aspecto da obra que mais me cativou.

Pode-se questionar, e confesso que discretamente senti algo me apertar o peito: como trabalhar educação financeira a partir da visão indígena, se foi a ganância pelo dinheiro que levou os colonizadores a violentarem e dizimarem os povos originários? 

Bem, ainda que não seja o foco, a ferida aberta por esse contato forçado e truculento pode ser encontrada no livro: “Os estrangeiros dominaram nosso povo, apossaram-se de nossas terras e nos obrigaram a servi-los. Carregamos as marcas e o peso dessa guerra até hoje em nossa cultura”. 

Mas a escolha de Cristino Wapichana é outra: pela voz da avó de Pymid, o leitor viaja pelas diferentes versões que as cédulas e moedas brasileiras tiveram ao longo da história.

As ilustrações de Alyne Dallacqua também são incríveis. Os traços físicos dos personagens wapichana, bem como a pintura corporal, a iconografia e as indumentárias típicas retratadas, são tão convincentes que fizeram eu me sentir em casa. Provavelmente resultam de uma competente pesquisa de imagens.

Por fim, com ‘A cor do dinheiro da vovó’, pode-se (re)aprender que há muitas formas de saber e todas elas devem ser valorizadas. Afinal, quem não se encantaria ao, debaixo de uma árvore, ver o jeito mágico de contar o mundo daquela que não sabia calcular como os estrangeiros ensinavam, mas sempre narrava como ninguém histórias magistrais de seu povo?

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terça-feira, 5 de novembro de 2019