Como
vagas ideias literárias de um adolescente se transformaram, mais de quinze anos
depois, em um conto publicado em antologia organizada pelo maior escritor
brasileiro de terror da atualidade?
Antes
de explicar, é bom esclarecer que este texto não tem a pretensão de funcionar
como uma espécie de manual. Mas, se ajudar escritores iniciantes a escreverem
melhor suas histórias, nada mal, hein!
‘Teu
Futuro te Condena’ é um conto escrito ali por 2016. Cheguei a ele a partir de três
ideias diferentes, algumas separadas das outras por mais de uma década.
Na
minha adolescência, quando me sentia poeta, e não me aventurava pela prosa, propus a mim mesmo dois
desafios literários: 1) escrever uma história em segunda pessoa; 2) e outra narrada
no futuro.
Por
quê? Queria fugir do mais do mesmo, depois de perceber que a esmagadora maioria
das histórias são narradas em primeira ou terceira pessoa e no passado ou no presente.
Exemplo
1: “Quando ouvi detalhes das crueldades e derramamentos de sangue que
indivíduos ou nações impunham uns aos outros, não pude conter meu sentimento de
revolta.” (Frankenstein, de Mary Shelley). Primeira pessoa (eu). Passado.
Exemplo
2: “Desce o menino a montanha, atravessa o mundo todo, chega ao grande rio, com
as mãos recolhe quanta de água lá cabia, volta o mundo atravessar, pelo monte
se arrasta, três gotas que lá chegaram, bebeu-as a flor com sede.” (A Maior Flor
do Mundo, de José Saramago). Terceira pessoa (ele). Presente.
Voltando
ao processo de construção de ‘Teu
Futuro te Condena’, muito tempo depois, ali por 2015, 2016,
veio a terceira ideia: uma história de profecia autorrealizável, em que o próprio
ato de dizer quem alguém será o torna aquilo. Seria uma crítica ao modo como a
sociedade lida com a criminalidade. Tenho um projeto de escrever uma antologia
de contos sobre violência, segurança, encarceramento, etc., mas isso já é outra
história.
Bem,
decidi juntar as três ideias na mesma história: imaginei uma cigana, um oráculo
ou algo do tipo lendo o futuro de um recém-nascido (“Tu serás um assassino”) e
essa profecia faria com que todos o tratassem, desde sempre, como o assassino que
a profecia dizia que ele se tornaria. Daí, nasceu ‘Teu Futuro te Condena’.
Que
lições tirar disso? Planeje o que vai escrever. Não dependa só da inspiração. Anote
e não descarte suas ideias só porque não consegue transformá-las em uma
história de imediato. Retorne a elas, de tempos em tempos, para ver se consegue
enxergá-las com outros olhos. Proponha-se desafios. Fuja do comum: busque
escrever o que ninguém jamais disse ou diga de modo inovador aquilo já repetido
tantas vezes. E depois, é só aproveitar as oportunidades que aparecem...
Ah,
faltou dizer que não sou escritor de histórias sombrias. Então, para escrever ‘Teu
Futuro te Condena’, precisei sair da minha zona de conforto.
A Antologia Sombria,
organizada por André Vianco, e que selecionou este e outros contos será lançado
em São Paulo (SP), no dia 28 de outubro de 2017. Para saber mais, clique aqui.
Até lá, você pode ler o trecho
inicial do conto:
"—
Serás um assassino — dir-te-ei, recém-nascido, quando teus pais te trouxerem
até mim.
Lerei
teu futuro, como o de todos os paridos naquela hedionda cidade, em uma porção
do meu sangue. Descreverei em detalhes a teus genitores que, com um instrumento
perfurocortante de fabricação caseira, vazarás os olhos de uma mulher de
cabelos brancos e dela cortarás o pescoço. Ainda permanecerás ao seu lado,
vendo-a sangrar em silêncio até a morte."
PIMENTEL, Aldenor. Teu futuro te condena. In: VIANCO, André. Antologia sombria. São Paulo: Empíreo, 2017.
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