Educação financeira a partir da visão de uma anciã indígena analfabeta. A proposta do livro infantojuvenil ‘A cor do dinheiro da vovó’, de Cristino Wapichana, gera, ao mesmo tempo, estranheza e curiosidade. E surpreende: para mim, é o melhor texto do autor publicado até o momento.
‘A cor do dinheiro da vovó’ vai além de seu objetivo didático. Aliás, quase toda a obra nos faz esquecer tal pretenso didatismo. De suas páginas emanam poesia, como “mãos delicadas, que mais pareciam um par de asas de passarinho guardando um sorriso amável”.
E também a escolha por retratar o povo wapichana no contexto urbano é um diferencial, em um cenário com predominância de livros, escritos por autores indígenas ou não, com personagens indígenas sem contato com os karaiowá (estrangeiros, não indígenas). E, assim, em ‘A cor do dinheiro da vovó’, vemos os wapichana em um mundo onde há escolas, cercas, igrejas, comércio, banco, dinheiro. Eles aparecem como estudantes, aposentados, servidores públicos, educadores, agentes de saúde, etc. Esse foi o aspecto da obra que mais me cativou.
Pode-se questionar, e confesso que discretamente senti algo me apertar o peito: como trabalhar educação financeira a partir da visão indígena, se foi a ganância pelo dinheiro que levou os colonizadores a violentarem e dizimarem os povos originários?
Bem, ainda que não seja o foco, a ferida aberta por esse contato forçado e truculento pode ser encontrada no livro: “Os estrangeiros dominaram nosso povo, apossaram-se de nossas terras e nos obrigaram a servi-los. Carregamos as marcas e o peso dessa guerra até hoje em nossa cultura”.
Mas a escolha de Cristino Wapichana é outra: pela voz da avó de Pymid, o leitor viaja pelas diferentes versões que as cédulas e moedas brasileiras tiveram ao longo da história.
As ilustrações de Alyne Dallacqua também são incríveis. Os traços físicos dos personagens wapichana, bem como a pintura corporal, a iconografia e as indumentárias típicas retratadas, são tão convincentes que fizeram eu me sentir em casa. Provavelmente resultam de uma competente pesquisa de imagens.
Por fim, com ‘A cor do dinheiro da vovó’, pode-se (re)aprender que há muitas formas de saber e todas elas devem ser valorizadas. Afinal, quem não se encantaria ao, debaixo de uma árvore, ver o jeito mágico de contar o mundo daquela que não sabia calcular como os estrangeiros ensinavam, mas sempre narrava como ninguém histórias magistrais de seu povo?
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